Entrevista com Angel Bojadsen

Por Cacau Ideguchi

ENTREVISTAS

12/2/20233 min read

Após o evento “Ponto de Encontro: Literatura japonesa contemporânea”, organizado pela Fundação Japão São Paulo, conversei com os três convidados que formaram a mesa de debate no dia 28 de março de 2019*.

Nossa segunda entrevista é com o diretor editorial da Estação Liberdade, Angel Bojadsen. Durante sua fala no encontro, Angel explicou sobre as origens da Estação Liberdade, acrescentando a curiosa informação sobre o gosto pessoal dos diretores influenciar diretamente nos livros editados. Fãs de literatura japonesa estão editando livros para os demais interessados e isso por si só já traz uma sensação mais próxima entre a editora e seu público. Um dado importante é que de todo o catálogo da Estação Liberdade, somente 17% é focado em literatura nipônica; porém, 40% de todo o faturamento da empresa é oriundo da venda de livros dentro desse segmento, mostrando que o catálogo bem escolhido da editora vem dando resultado e impedindo ‘encalhes’, jargão utilizado para se referir a livros que ficam em estoque ou são devolvidos pelas livrarias por falta de vendas. A editora tem licença exclusiva para publicar as obras do mestre Yasunari Kawabata e conta em sua seleção com o famosíssimo Musashi, de Eiji Yoshikawa, publicado por aqui em um box com três volumes.

A ideia da editora é continuar a publicar autores modernos como Yukio Mishima e Junichiro Tanizaki (Angel indica enfático a leitura de "Diário de um Velho Louco"), mas também começar a pincelar a contemporaneidade com livros que trazem como temática Tóquio como megalópole, a urbanidade dos tempos modernos e a eterna dicotomia tradição x modernidade. Para tanto, Angel está focando em quatro autoras: Banana Yoshimoto, Yoko Okawa, Sayaka Murata e Hiromi Kawagami; mais vozes contemporâneas, mais vozes de mulheres em um catálogo quase sempre dominado por figuras masculinas. Treze obras já estão no prelo para serem publicadas e a Estação Liberdade vai na contramão das demais editoras: publicando cada vez mais, focando em um público que apesar de específico, encontra-se cada vez maior e diverso.

Cacau Ideguchi: Uma coisa muito interessante dita na palestra foi que grande parte das escolhas de livros publicados pela editora vem do gosto pessoal de vocês. Como você equilibra seu desejo pessoal com a necessidade do mercado?

Angel Bojadsen: Sim, o gosto pessoal do editor influencia bastante. Se olho mais para o lado de Kawabata, Tanizaki ou Kenzaburo Oe do que para mangás, certamente tem a ver com qual área dentro da literatura você se sente mais confortável e tem mais facilidade para pesquisar. No entanto, necessidades comerciais são determinantes também, daí buscarmos trabalhar mais com o Japão contemporâneo, com o Japão que nos parece suscitar mais interesse aqui. A vida solitária na megalópole, a sexualidade truncada, o mundo um tanto gélido dos mangás… São temas que chamam a atenção literária e comercialmente. Mas a preocupação comercial acaba não sendo a primeira. O que privilegiamos é uma linha editorial coerente e diversificada. Ainda somos abnegados o suficiente para decidirmos publicar algo que possa não ser rentável, mas que achamos que deve ter em nosso catálogo.

CI: Há algum livro que você gosta muito mas preferiu não publicar justamente por sentir que comercialmente não seria viável?

AB: Falando agora dos japoneses, sinceramente não. Eu até faria uma edição do Genji Monogatari independentemente do retorno, resolvendo a questão da tradução. Talvez tenha acontecido o contrário: num acesso de purismo, abri mão do Haruki Murakami achando um pouco comercial demais. Várias pessoas próximas coincidiam em dizer que não gostavam. Eu mesmo tinha uma certa dificuldade com o sobrenatural. Mas foi um grande erro…

CI: A literatura japonesa é o pilar central da editora e seu ponto principal de sustentação, mas representa apenas 17% de todo o catálogo. Há previsão de um aumento nesse número?

AB: Devemos aumentar sim essa proporção, mas há o afunilamento da tradução, mais complexa (e mais cara) que de outras línguas. Ainda não temos tradutore(a)s suficientes. Por outro lado, ficarmos nipodependentes também preocupa um pouco. Mas de forma geral, queremos sim ampliar nosso catálogo com mais clássicos, com mais contemporâneos, o pessoal de 30 a 45 anos hoje, e indo para áreas novas para nós como mangás, romance policial, e títulos sobre a história e a sociedade japonesas.

CI: Desde 2017 se fala sobre a publicação das correspondências entre Mishima e Kawabata. Como está o processo de publicação deste livro?

AB: A edição finalmente está pronta. Está indo para a gráfica quarta-feira, 17 de abril!

(O livro chegou ao público no dia 17 de maio de 2019 e pode ser comprado aqui)

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* Entrevista realizada em março de 2019 a pedido da ABEJ – Associação Brasileira de Estudos Japoneses.