Entrevista com Gabriel Saito
Por Cacau Ideguchi
ENTREVISTAS
8/17/20224 min read


Falando um pouco sobre sua experiência em ser nikkei em Petrópolis no Rio de Janeiro, suas referências, ancestralidadades e inluências, o ator Gabriel Saito conversou com o JAPONI numa entrevista super interessante! Confira abaixo:
JAPONI: Em que momento da sua carreira você sentiu esse "chamado" para lidar com as questões identitárias que permeiam os nikkeis brasileiros? Como foi esse processo de mistura da vida real com a ficção?
Gabriel Saito: Sou de Petrópolis-RJ, e senti em 2019 que deveria fazer um trabalho autoral. Comecei a perceber que não encontrava na época muitos trabalhos sobre migração japonesa dentro do circuito fluminense/carioca. Percebi que deveria começar a criar e produzir trabalhos a partir dos atravessamentos da história da minha família no Brasil. Então comecei a dar continuidade na minha pesquisa e no desenvolvimento de um projeto autoral sobre minha família imigrante a partir das minhas inquietações sobre os relatos de familiares com afetos e a memória como ponto de partida. Foi assim que nasceu a construção do que é "Okama". O projeto carrega essas vozes migrantes que foram silenciadas, negligenciadas, esquecidas e marginalizadas ao longo da história e que são fundamentais para a construção social brasileira.
JP: O projeto "Okama" ainda está em gestação. Pode nos contar mais sobre como é a experiência de ir construindo a obra diante do público? A escolha da divulgação dos curtas na internet se deu por necessidade pandêmica ou já havia esse plano anteriormente?
GS: Eu comecei a entender o processo de dramaturgia de "Okama " como um trabalho em processo. Levar para o público o que tenho pensado e construído tem sido muito significativo. Entendi isso antes da pandemia por conta de pesquisa sobre performance e processos de criação de dramaturgia no teatro. A pandemia me auxiliou a lançar esses curtas por conta do período de isolamento social. Foi interessante pois fui descobrindo essa linguagem como uma nova possibilidade de experimentação nos processos criativos e na realização das ações performativas.
JP: A ideia é que "Okama" seja uma peça/performance. Há planos que ela também seja disponibilizada posteriormente em vídeo ou será apenas durante temporadas?
GS: "Okama" será uma peça de teatro presencial. Estou desenvolvendo a dramaturgia com o Fabiano Dadado de Freitas e a peça será dirigida pela diretora Miwa Yanagizawa e com a produção executiva de Nely Coelho. Creio que os processos ("Takenoko", "Shūdō" e "Shawā") flertam mais com a performance. Com certeza alguns processos continuam em vídeo. Gosto muito de experimentar linguagens diferentes. É muito importante aprender algo diferente e estar aberto para os riscos que a arte nos proporciona.
JP: Sobre "Shawa" especificamente, como foi o trabalho de reconexão com a sua bisavó? O tema da imigração normalmente é explorado de um ponto de vista de sucesso e alegria, dificilmente vemos uma abordagem sobre as dores desses imigrantes e acredito que seu trabalho traga essa reflexão. É algo que você sempre pensou ou foi descobrindo conforme investigava o passado familiar?
GS: Minha avó Julia sempre falou muito de sua mãe, minha bisavó Massami. A morte prematura da minha bisa afetou todos nós da família Saito aqui no Brasil e tem muito a ver com a violência do processo de migração. Foi muito potente me reconectar com os relatos e as imagens tão fortes que essas mulheres têm na minha família. Shawā me trouxe a consciência das dores e das potências. Apesar de terem sofrido e perdido seus sonhos e planos no Brasil, a família Saito sobrevive e se torna uma família brasileira. Mas é muito importante resgatar esses elementos que compõem a nossa ancestralidade.
JP: Como um yonsei, qual é a relação com a sua ancestralidade japonesa? Sempre sentiu-se pertencente? E por aqui, sempre houve a sensação de pertencimento ao Brasil?
GS: Estar em contato com a pesquisa desses projetos me trouxe muito mais perto da minha ancestralidade. Sempre foi muito difícil me sentir parte de algum lugar. Sou de Petrópolis-RJ, uma cidade conservadora que mantém uma cultura aristocrática e se auto intitula imperial. Então vivi muitos anos com uma pressão anacrônica e conservadora que infelizmente permanece na cidade e no Brasil atual.
JP: Pode nos contar um pouco como foi crescer no RJ, um estado conhecido por ter poucos imigrantes asiáticos?
GS: Foi muito difícil pois isso foi um fator que acredito que tenha me afastado de minhas origens. É muito ruim ficar anos da sua vida tentando se encaixar em um padrão que não faz sentido. Tive uma professora de teatro, a atriz Joice Marino, que hoje é minha amiga, que me alertou muito sobre isso. E realmente ela é uma figura muito importante para meu entendimento como artista e como pessoa. E o que acontece com os imigrantes asiáticos no estado do Rio é que eles acabam por sucumbir numa tentativa de miscigenação para serem absorvidos pela cultura embraquecida. Mas isso está mudando, inclusive pela ação de artistas que, como eu, se reconhecem e percebem a potência e a singularidade de nossos corpos.
JP: Além das pesquisas acerca de sua própria família, houve mais algum material referencial que o influenciou nesse trabalho?
GS: Os artistas da cena teatral brasileira são arrebatadores. Nós temos artistas criadores de suas obras que são importantíssimas! Eles são influências diretas em meu trabalho, principalmente do teatro documentário e da autoficção. Na cena atual posso citar a Miwa Yanagizawa que é filha de imigrantes japoneses e que dirigirá "Okama", a Renata Carvalho com o "Manifesto Transpofágico", o Maurício Lima com o "Museu dos Meninos" que é um projeto sobre juventude negra que trabalha com várias linguagens, a Fernanda Dias com "Meus Cabelos de Baobá", a Flavia Pinheiro que tem uma pesquisa peculiar de dança, a Jéssica Barbosa com "Em Busca de Judith", a Dodi Leal com o trabalho híbrido "Traved", o Ronaldo Serruya e a Janaina Leite do Grupo XIX que possuem seus trabalhos autorais independentes também. No audiovisual, por exemplo, mais especificamente, documentários como Santiago, de João Moreira Salles.
JP: Quais são seus próximos planos de trabalho ou no que está planejando trabalhar futuramente?
GS: Além de continuar meus projetos sobre minha ancestralidade japonesa como o projeto Okama, tenho desenvolvido vários projetos artísticos como Produtor Cultural no metaverso Xepa.World e paralelamente uma montagem teatral de um texto inédito no Brasil da escritora Virginia Woolf
Assista "Shawa":
Gabriel Saito é designer de moda formado pelo Instituto Zuzu Angel/Estácio (2010) e ator formado (DRT - 0056860/RJ) pelo Instituto Técnico do Brasil (2020). Experiência nos últimos dez anos como estilista, vendedor, ator e produtor.
