Entrevista com Lica Hashimoto
Por Cacau Ideguchi
ENTREVISTAS
12/13/20233 min read


Após o evento “Ponto de Encontro: Literatura japonesa contemporânea”, organizado pela Fundação Japão São Paulo, conversei com os três convidados que formaram a mesa de debate no dia 28 de março de 2019*.
Nossa terceira e última entrevistada foi a professora de literatura japonesa Lica Hashimoto. Em sua fala, Lica foi bastante didática, trazendo números para reflexão sobre quem é o estudante de literatura japonesa da USP atualmente: Mais de 300 alunos estão neste momento na faculdade de letras, 70% deles não tem descendência japonesa e sabem pouco ou nada da língua; diferente de gerações anteriores de alunos, que tinham interesse em aprender o japonês com fins econômicos, os alunos atuais já chegam na USP com certa bagagem cultural: gostam de anime, mangá e jogos sim, mas também se aprofundaram nas bases dessas histórias e acabaram encontrando vários autores literários previamente. Isso faz com que o perfil desse aluno seja de maior engajamento em literatura e cultura, mais interesse em ficção e pensamento crítico, trazendo questões para o universo acadêmico que são importantes por virem de um novo ponto de vista.
Tensionando essa mudança, o Departamento de Letras Orientais da USP precisou se adaptar e mudar a sua grade de ensino, trazendo um foco maior na produção contemporânea e sua relação com as publicações clássicas japonesas. O foco da academia no momento é que os estudantes sintam vontade de seguir aprofundando e criando novas relações, ao invés de consumir sempre os mesmos autores e tipos de pensamento.
Cacau Ideguchi: Como a mudança de perfil dos alunos que estão ingressando em Letras está também mudando a forma de ensinar japonês?
Lica Hashimoto: Atualmente, o perfil dos alunos que ingressam no curso de Letras – habilitação japonês e português – é de 70% brasileiros, sem nenhuma descendência japonesa. Se compararmos com os dados de 1990 a 2000, nota-se que o perfil era exatamente o oposto, o que significa que 70% dos alunos eram filhos ou netos de japoneses e muitos deles ingressavam com conhecimento básico de conversação e escrita japonesa. Com a mudança de perfil dos alunos ao longo dos anos, viu-se a necessidade de reestruturar, atualizar e adequar a grade curricular para atender a um alunato que, além de estudar a língua japonesa, possui interesse em aprofundar os conhecimentos de literatura e cultura japonesas. Nesse sentido, a partir de 2018, isto é, do ano passado, estamos com um curso novo, reestruturado para atender essa nova demanda.
CI: De que maneira a academia está abarcando a cultura pop dentro do ensino superior?
LH: No curso de Letras Japonês da USP, as pesquisas relacionadas à cultura japonesa pop despontaram timidamente num cenário acadêmico que relutava em aceitar o Pop como tema de estudo. No entanto, esse cenário mudou e, atualmente, não só no Brasil, como em diversas partes do mundo, o pop vem se tornando um tema de pesquisa importante para se entender o mundo contemporâneo e suas expressões.
CI: Você comentou algo interessante, sobre quem gosta de mangá shonen poder se interessar pela literatura clássica japonesa, por causa do mito do herói. Pode dar exemplos sobre isso?
LH: Costumo dizer, em tom de brincadeira, que os seres humanos mais tradicionais do planeta são as crianças e os jovens (risos). Prova disso é que muitos dos animes, mangás e jogos eletrônicos são desenvolvidos como histórias que contam lições de superação, coragem, conhecimento, respeito, valor, justiça e, não raro, os que assistem conseguem acompanhar o desenvolvimento daquele personagem que aprendeu com os desafios até se tornar um herói.
As evoluções dos Pokémons, Digimons, Dragon Ball, etc mostram as etapas da evolução de cada um deles e, a cada etapa, novos desafios – cada vez mais difíceis – surgem para serem conhecidos, enfrentados e superados. Quando eu digo que as crianças e jovens são os seres humanos mais tradicionais é porque no Kojiki (Relatos de fatos antigos), primeira obra histórico-mitológica do Japão compilado em 712, há inúmeras histórias de divindades e homens que se tornaram heróis após passarem por provações.
As histórias de heróis e divindades contadas por meio de animes, mangás etc, são releituras das obras da literatura japonesa clássica. Por isso, quem gosta de cultura pop acha que não gosta de literatura japonesa clássica, mas isso não é verdade. Os jovens são os que mais curtem a tradição e os valores de antigamente, mas de um modo colorido, musical e divertido.
* Entrevista realizada em março de 2019 a pedido da ABEJ – Associação Brasileira de Estudos Japoneses.