Entrevista com Thyago Nogueira

Por Cacau Ideguchi

ENTREVISTAS

4/22/20226 min read

Com um acervo de mais 250 peças entre fotografias, livros e revistas e três anos de pesquisas com suporte de uma equipe multidisciplinar, a Retrospectiva Daido Moriyama teve sua abertura no dia 09 de abril no IMS - Instituto Moreira Salles em São Paulo. O JAPONI teve a oportunidade de visitar a exposição um dia antes da abertura e conversar com o curador Thyago Nogueira¹.

Cobrindo a carreira do fotógrafo desde os anos 1960, a exposição ocupa dois andares do IMS e além das já esperadas fotos nas paredes, a retrospectiva traz livros e revistas à disposição do público para folhear, paredes com lambe-lambe bem propícias para a costumeira selfie, além de vídeos e projeções.

JAPONI: Algo muito marcante na retrospectiva é esse descolamento da ideia da fotografia como apenas registro da realidade, trazendo a questão narrativa muito presente. Essa foi uma das questões que te atraiu para esse projeto?

Thyago Nogueira: O que mais me atraiu foi justamente estudar a originalidade da fotografia japonesa, essa ideia de um objeto que não é construído para o museu e como essa fotografia surge dentro da revistas de comunicação em massa, que tinha uma tiragem de 200, 300 mil exemplares. E como essa fotografia construiu não só um grupo de seguidores como também definiu uma ideia muito sofisticada do que é uma imagem. Acho que isso me levou a procurar o Daido e tentar entender a carreira dele; queria entender a transformação dele ao longo da vida, eu conhecia o Daido por fotos muito famosas e queria investigar um pouco melhor a origem dessas imagens.

Aí eu ganhei uma bolsa para estudar no Japão o arquivo dele e conheci a cena das revistas de fotografias japonesas. O que é muito interessante é que essa fotografia é feita ligado ao jornalismo. O Daido queria inicialmente ser fotojornalista mas ele desconfiou muito cedo dessa visão totalizante, um pouco pretensiosa do jornalismo de ser imparcial e de criar composições muito dramáticas e calculadas nas fotografias feitas para ilustrar uma ideia, seja dramática ou o que for; e ele resolveu fazer uma produção que repensava como o jornalismo podia lidar com as imagens e como poderia inclusive aumentar seu repertório de usos da fotografia para expressar o que é um evento, uma notícia, o que é um acidente, o que é um incidente. Ele faz uma série muito boa sobre acidentes e incidentes que eu vejo como um exercício fotográfico quase pedagógico de propor para a revistas e para o jornalismo outras maneiras de olhar para imagens, que não seja submeter a imagem a uma legenda, ao texto, a uma explicação.

Acho que a gênese desse projeto é o pensar no que é o documentarismo dentro da imagem, coisas que são essenciais para pensar dentro da fotografia e que com o tempo vão sendo estreitados pela tradição, por uma coisa dogmática, convencional. E o Daido era um cara muito importante para ampliar isso, dizendo "pode ser além disso, pode ser coisas mais complexas, mais ambíguas".

JP: E transbordando a fotografia, vocês trouxeram essa reencarnação em audiovisual também. Especificamente pensando na série "Um caçador" (1972), como foi que vocês tiveram a ideia de remixar as fotos em uma nova mídia?

TN: O desafio da exposição para mim era como tratar de fotografia impressa na publicação de forma dinâmica que não fosse engessada como em um museu normal, com obra na parede. Então eu me esforcei muito para mostrar a evolução do pensamento dele, que foi ligada à narrativa, sequência, formatação, escala e como fazer disso uma questão dinâmica na exposição, que não seja acadêmica e que não seja monótona. Temos as revistas, que tem trechos na exposição, os livros viram vídeos e projeção, um dos livros está plotado como um grande papel de parede. Tentei achar soluções formais para dar movimento para as coisas. Eu achei que o "Um caçador", que é um livro sobre uma viagem de estrada que ele resolve fazer, era um livro interessante para você sentar e assistir, como se você estivesse num carro vendo a vida passando como ele fez. O "Um caçador" foi um livro que ele pensou, "em vez de eu ficar indo até um assunto interessante, eu vou entrar num carro e as coisas virão até mim, elas me atravessam pela câmera e a fotografia vai surgir ali".

JP: A fotografia às vezes é vista como uma entrada mais fácil para a arte contemporânea. Nesse caso, temos a fotografia como uma forma também de apresentar o universo da arte contemporânea japonesa para os visitantes?

TN: O Daido conversa muito com a arte em si porque ele tenta sempre expandir o universo fotográfico. A fotografia americana, a fotografia européia, foi muito mais uma fotografia no quadro, na moldura, dentro do museu, valioso, único, uma coisa muito mais ligada à pintura. O Daido está propondo uma fotografia que faz parte do mundo, que é replicada e quando mais reproduzida melhor.

JP: O que tem muito a ver com a arte japonesa em geral né? Essa arte de museu, elitizada, é uma coisa muito nova para o Japão. O ukiyo-e é um exemplo, que foi reproduzido milhares de vezes e ganha seu prestígio, por assim dizer, quando alguém coloca no museu.

TN: Sim, no Japão inclusive temos poucas galerias, a estrutura do mercado de arte é ainda muito pequena perto de um país que tem uma tradição grande nesse tipo de questão. Isso eu acho que é o mais interessante na cultura japonesa, porque ela é produto da comunicação e eu acredito que ela está mais no mundo do que a fotografia de museu, ela faz uma relação com o mundo, com a cidade e quer que as imagens estejam na cidade. O Daido não está pensando em exposição em galeria, ele quer que a imagem circule em livros, revistas, estampa, tudo isso para reprodução. Ele é bastante generoso com a imagem, para que ela seja um instrumento de comunicação.

JP: Falando nisso, você planeja trazer mais fotógrafos japoneses para o IMS?

TN: Sem dúvida, meu interesse pelo Daido veio do meu interesse pela cultura japonesa de uma forma geral. Tive que estudar muito mesmo para fazer essa exposição e isso só amplia a admiração e o interesse em conhecer mais e aprofundar. Na ZUM a gente já publicou o Daido, Hiroshi Sugimoto, Shomei Tomatsu, Lieko Shiga, eu acompanho o que posso com a distância e tenho o maior interesse. Acho que tem esse deslocamento da visão eurocêntrica que é muito poderoso e me interessa quando a arte sai do museu e entra na rua.

JP: Para encerrar, sabemos que tem uma série de ações planejadas além da exposição. Pode adiantar para os Japonistas o que vem por aí?

TN: Uma das grandes contribuições do Daido é essa relação que ele estabelece entre a memória e a cidade. Então pensei em como traduzir essas coisas que estão na fotografia japonesa para São Paulo e propus da gente fazer caminhadas fotográficas pela cidade tendo como ponto de partida as ideias dele. Então o plano é fazer esses grupos para pensar o que é a cidade, o que ela representa para cada um, como fazer esse caminho fotográfico. Ele também fez um trabalho chamado print show, no qual ele pegou uma caminhada em Nova York e publicou um fanzine xerocado, pensando muito na imagem republicada. Então a ideia é fazer também um happening com as fotos da cidade. Meu foco é ver o que um fotógrafo no Japão fala e está ligado à nossa realidade, como a gente interpreta e traduz isso na nossa própria cidade.

Retrospectiva Daido Moriyama
Foto: Camila Sousa² - JAPONI


¹ Thyago Nogueira é curador da exposição Daido Moriyama. Também atua como editor da Revista Zum e coordenador da área de Fotografia Contemporânea do Instituto Moreira Salles.

² Camila Sousa é jornalista e fotógrafa e colaborou com as fotos desta cobertura. Instagram: @_sousacamila

Aviso: A entrevista foi editada pensando na coesão, clareza e tamanho do texto; todas as respostas tiveram seu sentido e conteúdo preservados, mesmo quando editadas. A entrevista contou com a colaboração de Rafael Hett, professor, pesquisador e produtor de conteúdo. Sua trajetória acadêmica se faz na interseção entre filosofia, tecnologia e estética.